quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

 Será que as chuvas de fevereiro podem evitar o racionamento de energia ?

Durante o mês de janeiro o predomínio de um bloqueio atmosférico na região Sudeste e em parte das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste fez com que a precipitação e, consequentemente a vazão, ficassem muito abaixo da média histórica. Mas este cenário já havia sido previsto desde o início do mês de dezembro de 2020 por alguns modelos climáticos, incluindo o modelo NCAR/CAM 3.1 rodado operacionalmente no LAMMOC/UFF. 

Na figura 1a observam-se as anomalias de precipitação acumuladas no mês de janeiro de 2021 e, na figura 1b, as previsões para estas mesmas anomalias, oriundas da média dos ensembles do modelo NCAR CAM 3.1 rodado no LAMMOC/UFF. É possível observar como as previsões conseguiram capturar a distribuição espacial da maior parte das anomalias positivas e negativas distribuídas ao longo do país. 

  

                                    (a)                                                                    (b)

Figura 1 - Anomalias observadas (a) e previstas (b) de precipitação para o mês de janeiro de 2021. Fonte das anomalias observadas: CPTEC/INPE e das previsões do modelo NCAR CAM 3.1: LAMMOC/UFF.

Nesta mesma linha, observamos na figura 2a as anomalias de precipitação observadas até o dia 17 de fevereiro no Brasil e, na figura 2b, as previsões do modelo NCAR CAM 3.1 para as anomalias de precipitação de todo o mês.

 

                                   (a)                                                                    (b)

Figura 2 - Anomalias observadas (a) e previstas (b) de precipitação para o mês de fevereiro de 2021. Fonte das anomalias observadas até o dia 17/02/2021: CPTEC/INPE e das previsões do modelo NCAR CAM 3.1: LAMMOC/UFF.

O nível dos armazenamentos dos reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO) aumentou cerca de 3 a 4 % nos meses de dezembro e janeiro (em cada um deles). O que foi muito pouco, já que durante os meses de período úmido destas regiões este nível costuma aumentar, em média, entre 8 e 10% em cada mês, ainda mais com praticamente todo parque térmico na base. 

É importante destacar que no período úmido de 2019 para 2020 aconteceu algo semelhante, já que a primavera de 2019 havia sido bastante seca também, assim como a de 2020. No entanto, com as fortes chuvas de fevereiro de 2020 este mês terminou com um nível de armazenamento nos subsistemas SE/CO da ordem de 40% (Figura 3). 

 

 Figura 3 - Evolução do nível de armazenamento do subsistema SE/CO entre os anos de 2020 e 2021. FONTE: IPDO/ONS (http://www.ons.org.br/AcervoDigitalDocumentosEPublicacoes/IPDO-16-02-2021.pdf )

Porém, em 2021 dificilmente isto irá se repetir. Mesmo com a ocorrência de chuva acima da média em parte das bacias deste subsistema, e com uma perspectiva de permanência de chuva até o final do mês, se tornando mais intensa a partir do dia 25, o nível dos reservatórios do SE/CO deve ficar próximo de 30% ao final de fevereiro de 2021, já que no dia 16 estava em torno somente de 26,5% (o que significou um aumento, até esse dia, de cerca de 3,5% em relação ao último dia do mês de janeiro de 2021).

Isto significa que devemos fechar fevereiro com cerca de 10% a menos de armazenamento do que no mesmo período de 2020. Somente um super mês de março, com precipitação extremamente acima da média para que o período úmido terminasse com um nível de armazenamento em torno de 50%, como aconteceu em 2020, e que garantiu o atendimento energético até o final do ano. 

Temos a previsão de um super março ? As previsões do NCAR CAM 3.1 rodado no LAMMOC/UFF e as do CFS v2 da NOAA mostram chuva ligeiramente acima da média nas principais bacias do SE (em relação a capacidade de armazenamento) neste mês. Mas para este mesmo período as previsões de outros centros estão muito divergentes, como as previsões do Centro Europeu e da Nasa que apontam para um mês de março um pouco mais seco. Mas mesmo com esta divergência não se observa, em nenhuma destas simulações, condições para um super mês de março capaz de ocasionar um aumento de 20% no armazenamento do subsistema SE/CO (lembrando que do início do período úmido, em novembro, até agora este aumento foi de cerca de 10% em 2021). Como já chamamos a atenção antes, as condições de (baixa) umidade antecedente do solo estão sendo fundamentais para esta resposta muito tímida do nível de armazenamento.

E para piorar as expectativas de garantia de abastecimento, a maioria dos modelos mostra um período de outono inverno com pouca chuva na região Sul do país, provavelmente associado com a permanência do padrão frio do Pacífico Equatorial. Claro que estas previsões tem um maior grau de incerteza, dada a sua distância temporal das condições iniciais, mas caso se concretizem, indicam um subsistema Sul importador de energia durante o período seco dos subsistemas SE/CO, o que aceleraria o deplecionamento dos reservatórios destas regiões, aumento o risco de racionamento para este período.

O resumo é que as condições críticas, em relação tanto a precipitação quanto a vazão e, consequentemente, o nível de armazenamento dos reservatórios do SE/CO, estão se confirmando e, ainda um pouco piores do que estava sendo vislumbrado em dezembro de 2020. Além disso as previsões para horizontes maiores de tempo corroboram o risco de desabastecimento, tornando mais do que urgentes medidas para a diminuição do consumo residencial o que, ao meu ver, poderia ajudar a evitar possíveis cortes de carga e um racionamento mais agudo de energia durante o período de inverno.