quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

 Retrospectiva 2021 !


Vou tentar dividir essa postagem em duas e sem bem sucinto.

1 - Como anda a crise hídrica?

Em uma parceria com o pesquisador Augusto Getirana da NASA e com a professora Renata Libonati da UFRJ participei como coautor de um artigo de opinião para a Nature sobre a crise hídrica do Brasil. Foi abordado neste artigo a importância da água para o país e a necessidade urgente de investimento em monitoramento e predição, para que haja um mínimo de planejamento em relação ao seu uso e a sua disponibilidade. O artigo pode ser encontrado no link abaixo para quem tiver curiosidade:

http://lammoc.sites.uff.br/publicacoes/

As medidas do governo foram atrasadas, atrapalhadas e muito dispendiosas mas conseguiram ajudar a evitar algo pior, que seriam apagões ou mesmo um racionamento de energia. Claro que a chuva de outubro ajudou muito. Chuva que ainda está ajudando, na verdade. Mas é claro que ainda temos a pergunta de até quando. Daqui a pouco falarei disso. 

Primeiro eu queria comentar um pouco da nossa incapacidade de resiliência e de adaptação a eventos extremos (que como quase toda a literatura de mudanças climáticas mostra, estarão cada vez mais frequentes). Entramos no segundo ano seguido com a configuração de uma La Niña, que teve uma taxa de resfriamento muito alta entre os meses de novembro e dezembro deste ano. Praticamente todos os modelos estavam mostrando uma persistência de chuva na Bahia de grande intensidade. E o que foi feito antes da chuva acontecer ? Não vou entrar aqui na discussão se foi ou não ZCAS, porque nós meteorologistas gostamos de falar disso por horas. Temos um novo produto, baseado no trabalho de Nielsen et al., 2018 (também disponível no site do LAMMOC), sobre a previsão de ZCAS, que está sendo operacionalizado pelo Eric Ribeiro, Lis Andrade e Louise Aguiar (LAMMOC/UFF). 

Vou mostrar aqui pra vocês a previsão deste índice feita no dia 20 de dezembro, com base nos prognósticos do GFS. Nestas previsões a área AB significa a configuração de ZCAS justamente no norte de MG e sul da Bahia (Figura 1). Quando o índice passa do patamar h3, significa que a chance de falso alarme dele é mínima. 


Figura 1 - Previsão do índice de ZCAS elaborada pelo LAMMOC/UFF no dia 20 de dezembro de 2021 com base nas previsões do GFS. 

Para os próximos dias e início do próximo ano a previsão é de que a ZCAS/ZCOU desça e fique na posição C (figura 2) que atinge o centro-sul de MG, norte de SP e o estado do RJ. 

O que está sendo feito para preparar estas regiões para a configuração deste sistema ? As ações só conseguem ser realizadas ou horas antes do desastre ou então no pós-desastre. Já temos tecnologia para melhorar isso, mas os tomadores de decisão precisam investir (como vejo sendo feito em Niterói e Maricá) e acreditar nos prognósticos, principalmente em um cenário de eventos extremos mais frequentes. 


Figura 2 - Previsão do índice de ZCAS elaborada pelo LAMMOC/UFF no dia 27 de dezembro de 2021 com base nas previsões do GFS. 

Então janeiro começa com chuva na posição mais importante para o aumento da ENA do SE/CO e também o aumento dos reservatórios destas regiões. O que é muito importante e muito bom para a minimização da crise hídrica. 

Mas janeiro deve ser um mês onde as taxas de resfriamento do Pacífico Equatorial irão se estabilizar, diminuindo a forçante (associada a intensificação da célula de Walker) que tem levado os sistemas tão ao norte. Considerando que os bloqueios ainda estão querendo voltar à cena climática, por conta do Atlântico Equatorial mais quente, podemos ter o restante de janeiro com o retorno destes bloqueios nas regiões SE/CO, N e NE e também com o retorno das chuvas na região Sul. Mas os modelos ainda estão muito divergentes em relação a isso, posso pontuar que as previsões do CAM 3.1 rodado no LAMMOC/UFF e as previsões do ECMWF apontam para este padrão, enquanto que as previsões dos modelos CFS v2 e do modelo GEOS5 da NASA apontam para a continuidade da chuva mais ao norte. Acompanhar as previsões de tempo estendido nos próximos dias será fundamental para avaliar a posição da chuva na segunda quinzena de janeiro (mês com os maiores totais climatológicos de chuva na maior parte das bacias do SIN). 

2 - E como está a ciência no Brasil?

Esse ano de 2021 tem sido trágico para a ciência, tecnologia, inovação e até mesmo para o pensamento livre. Tivemos várias demonstrações da ciência sobre a sua competência e o seu compromisso com a sociedade (afinal, com as vacinas saímos de 4500 mortes/dia por COVID-19 para menos de 200). A ciência séria buscou soluções conjunturais e não receitas milagrosas (de quem confunde protozoário com vírus) para auxiliar na suavização da pandemia, para salvar vidas e para ajudar a restaurar a economia. Além de todo o nosso esforço diário para auxiliar nas diferentes mazelas da sociedade, como o caso da crise hídrica, por exemplo. Enfim, e o que ganhamos ? Corte de quase todo o orçamento do CNPq, desmonte da CAPES, desvalorização e questionamento constante da cúpula do governo federal e de seus seguidores. Os cortes nas áreas de ciência, tecnologia, inovação e meio ambiente irão custar muito caro para o país no futuro, que continuará cada vez mais refém de importações de quase tudo e mais longe de sua soberania e desenvolvimento. 

Bem, mas para terminar essa retrospectiva de forma positiva, gostaria de registrar a homenagem feita pela vereadora de Niterói Walkíria Nictheroy à UFF, na figura de nosso realmente Magnífico Reitor, professor Antônio Cláudio, e também para nós do FRENTE UFF, reconhecendo o nosso empenho e esforço no auxílio do combate a pandemia da COVID-19 no município de Niterói. Neste projeto, que teve o empenho de muitos alunos, professores, empresas e da sociedade, de uma maneira geral,  conseguimos produzir e doar mais de 18.000 faceshields à instituições públicas de saúde. Uma pena que esse reconhecimento não consegue se espalhar por toda a nação. Mas temos que pensar que dias melhores virão para a ciência do Brasil, senão cada dia serão mais e mais cérebros deixando o país. 

Por fim deixo estas fotos da cerimônia da câmara dos vereadores de Niterói como uma esperança de que em 2022 a ciência possa continuar a fazer o seu trabalho, o que ficou mais complicado para nós do LAMMOC/UFF, por exemplo, já que, infelizmente, ficamos fora do projeto Universal do CNPQ, por conta dos cortes do orçamento, verba que seria vital para ampliarmos a modelagem climática para auxiliar na gestão da crise hídrica. 

E que neste ano de 2022 a ciência, a tecnologia, a inovação, a cultura, o meio ambiente e o pensamento livre e senso crítico tenham na sociedade e em seus representantes parceiros e cúmplices e não difamadores, negacionistas e opositores.