terça-feira, 30 de março de 2021

 Como andam os nossos reservatórios ?


Assim como em outros meses do período úmido o mês de março teve sua segunda quinzena marcada pela atuação de um forte bloqueio atmosférico. A natureza deste bloqueio foi diferente dos sistemas que atuaram nos meses de dezembro e janeiro, mas bastante semelhante aos bloqueios da primavera.

O saldo final foi mais um período úmido com chuva abaixo da média histórica, devido principalmente a atuação prolongada e intensa destes bloqueios, e o pior, com o solo cada vez com menor capacidade de saturação, criando uma relação chuva-vazão cada vez mais comprometida. É muito difícil fazer qualquer tipo de análise sobre a condição do sistema elétrico brasileiro utilizando somente o conhecimento estatístico, já que o problema recai sobre uma condição física dos solos e também de um padrão de variabilidade ou mudança climática que parece ser de baixa frequência, ou seja, que não irá retornar aos padrões de chuva da década de 80, por exemplo, em um curto intervalo de tempo. 

Com isso o aumento no nível dos reservatórios durante todo período úmido de 2020/2021 das regiões SE/CO não deve ultrapassar 20%, iniciando com cerca de 16% em outubro e estando, no dia 29 de março, com cerca de 35%.

Em relação ao ano anterior, os próprios relatórios do ONS já explicitam a criticidade da situação (Figura 1). Importante ressaltar que estes níveis críticos de armazenamento ocorrem com a maior parte do parque térmico na base, ou seja, com toda "ajuda" térmica possível.

 

Figura 1 - Evolução dos níveis de armazenamento do subsistema SE/CO nos períodos de 2019/2020 (linha azul) e de 2020/2021 (linha vermelha). Fonte: ONS (http://www.ons.org.br/AcervoDigitalDocumentosEPublicacoes/IPDO-29-03-2021.pdf )

Infelizmente nenhuma medida mais enérgica foi tomada para que a população soubesse da real condição dos reservatórios do país e, assim, diminuísse o seu consumo. As elevadas temperaturas de janeiro e março (também associadas com a atuação de bloqueios) fizeram com que o consumo de energia aumentasse durante estes períodos, tornando mais crítica ainda a situação do Sistema Interligado Nacional. 

O possível aquecimento do Oceano pacífico equatorial durante o período de outono e inverno pode trazer mais chuva para a região sul do país e para o sul da região sudeste. Infelizmente estas regiões não possuem uma grande capacidade de armazenamento. No entanto, um aumento da precipitação nestas regiões pode ser uma ajuda importante para que o subsistema Sul se torne exportador de energia, contribuindo para que o deplecionamento dos reservatórios do SE/CO e do subsistema Norte aconteça de forma mais lenta durante o período seco. Mas não impedindo que ela aconteça.

Ou seja, a realidade é que dificilmente este quadro conseguirá se reverter, trazendo um risco iminente de racionamento de energia que deveria estar sendo compartilhado com a sociedade, a fim de haver um pacto nacional de diminuição de consumo o que, provavelmente, seria a única medida capaz de evitar cortes de carga em um eventual racionamento durante ou ao final do período seco. 

Importante ressaltar que esta já é a sexta postagem sobre o risco de racionamento, sendo que a primeira foi no dia 15 de dezembro de 2020. Os estudos e os modelos do LAMMOC/UFF auxiliaram no prognóstico deste quadro, com o auxílio de parceiros da CPRM e da NASA, que permitiram visualizar melhor as reais condições do solo de nossas bacias hidrográficas. Espero que a ciência consiga ser vista como aliada no desenvolvimento sustentável e na mitigação de riscos, não sendo superada por achismos ou factoides em nosso país. Infelizmente até agora parece que ainda não conseguimos sensibilizar os tomadores de decisão em relação a este risco de racionamento. Mas para o bem do país espero ou que nossos estudos estejam incompletos ou que ainda haja tempo hábil de se tomar alguma atitude para evitar o que parece ser inevitável;