quarta-feira, 12 de maio de 2021

E o risco de abastecimento continua sendo minimizado, apesar de já aparecer como uma possível "dor de cabeça".

Em dezembro de 2020 fiz a primeira postagem aqui no Blog sobre o risco hidrológico que estava se configurando para os subsistemas SE/CO e NE em 2021.  Este risco foi apontado por estudos do Laboratório que coordeno (LAMMOC/UFF) e por interações com parceiros de áreas correlatas. Eles mostravam um prognóstico de precipitação abaixo da média, principalmente no mês de janeiro de 2021, o que, aliado a uma primavera bastante seca e, consequentemente, condições de umidade antecedente do solo comprometidas, ilustravam um cenário muito complicado para o período úmido destas regiões. Mas não era só isso, o aumento do número de dias de bloqueios atmosféricos (que será detalhado em uma próxima postagem) nos últimos 10 anos vem diminuindo a precipitação durante o período úmido e, gradativamente, a recarga dos solos e reservatórios das regiões SE e NE, fazendo com que, de uma maneira geral, a cada ano precisemos de mais chuva para gerar a mesma vazão do ano anterior. E para dar um tom mais dramático nisso tudo, as queimadas em números alarmantes na Amazônia e no Pantanal podem ter contribuído para uma diminuição na disponibilidade da umidade, que é transportada destas regiões para a região SE durante o período úmido (regime de monções da América do Sul).

Ou seja, esse quadro já estava posto desde o final do ano passado e algumas medidas realmente foram tomadas, como é o caso do acionamento do parque termoelétrico fora de mérito, ou seja, foi acionado mesmo com o preço da energia, calculado pelos modelos de otimização utilizados no setor elétrico, não mostrando a necessidade deste acionamento (o que é muito grave).

Desde a minha primeira postagem venho apontando a necessidade de se alertar a população sobre esse risco e também da criação de medidas de incentivo ao baixo consumo durante o verão. Essa medida, aliada a manutenção do horário de verão, poderiam ter ajudado a não chegarmos a esse ponto tão critico nos reservatórios do subsistema SE/CO. 

Mas como estão os reservatórios e onde eles podem chegar ?

Atualmente o nível médio dos reservatórios do subsistema SE/CO está em 33.5% ( fonte: http://www.ons.org.br/AcervoDigitalDocumentosEPublicacoes/IPDO-11-05-2021.pdf).

Fazendo uma conta linear (assim como o MEC diz que está diminuindo o orçamento das Universidades Federais), e considerando que estamos com uma diminuição de cerca de 0.1% ao dia, podemos chegar ao final de Maio de 2021 com 31.5%. Ainda seguindo este raciocínio, teremos uma diminuição de cerca de 3% ao mês, o que nos levaria um decréscimo de 15% até o final de outubro, chegando no dia 01 de novembro de 2021 com 16.5%. Adicionando a hipótese do atraso do início do período úmido a esse quadro extremamente preocupante, podemos chegar a 13.5% ao final de novembro (situação difícil mas talvez contornável se tivermos um período úmido 2021/2022 muito forte).

Agora, considerando que a partir de setembro o consumo aumente, por conta do aumento da temperatura, e que, além disso, tenhamos também uma diminuição da "ajuda" na transferência da energia proveniente das usinas da região Norte, podemos considerar que em setembro e outubro teremos uma diminuição de 0.2 % ao dia (parecido com o que houve no ano passado), podemos chegar em 01 de novembro com 10.5% no nível médio dos reservatórios do subsistema SE/CO ou, pior, com 4.5% no dia 01 de dezembro de 2021 (impraticável para a manutenção da geração hidráulica desta região). 

Claro que o nível dos reservatórios não depende só da chuva, depende da operação, dos intercâmbios, da disponibilidade de matéria prima para a geração termoelétrica, de vento para a geração eólica, das manutenções elétricas, restrições ambientais, e por ai vai. 

Mas fica evidente que qualquer ajuda teria sido muito importante, dada a criticidade da situação. E outro ponto é que a diminuição do consumo residencial no inverno não é tão eficaz quanto no verão, caso este incentivo aconteça tardiamente, mas aconteça.

Na próxima postagem vou falar um pouco das previsões climáticas para o inverno, período onde somente a região Sul do país tem alguma possibilidade de chuva. Mas que é importante exatamente pelas questões de intercâmbio de energia. E outro ponto importante é: será que o próximo período úmido irá atrasar ? Ou ainda: será que teremos um período úmido forte o suficiente para reverter esse quadro, mesmo com as condições de solo cada vez mais desfavoráveis a relação chuva vazão?

Bem, entendo que toda a sociedade deve estar mobilizada para ajudar a responder essas questões. E que o LAMMOC/UFF continuará a disposição par auxiliar tecnicamente no que nos compete, como sempre estivemos (já registrado desde dezembro de 2020).

Por fim queria colocar algumas questões para reflexão e para  discutirmos se realmente foi uma questão de "azar" isso acontecer agora. E "isso" significa um aumento no custo da energia residencial e também comercial e industrial, o que pode gerar aumento nos preços, inflação, aumento no risco Brasil, mais desemprego, mais desigualdade e mais fome para a nossa população já tão castigada e maltratada durante essa terrível pandemia 

Será então que foi "azar" ou foi um problema de gestão, acumulando equívocos desde o término do horário de verão até a miopia dos modelos de otimização do setor elétrico, que não conseguem enxergar o risco climático e hidrológico e ainda utilizam vazões naturais desde 1931 em seus dados de entrada. Será que o negacionismo em relação as mudanças climáticas não começa a cobrar o seu preço ? Será que a ciência não poderia ter sido ouvida para caminhar ao lado das políticas públicas desde dezembro de 2020? Será que a flexibilização de licenças ambientais e a falta de fiscalização não estão degradando e até exaurindo nosso recursos naturais, a ponto de observarmos mudanças em nosso balanço hídrico local ? 

Termino essa postagem já trazendo a preocupação, como servidor público, cientista e cidadão, de compartilhar com a sociedade a previsão para os próximos meses, bem como os cenários mais prováveis para o próximo período úmido O que será objeto da próxima postagem, quando nossos estudos estiverem avançado mais um pouco. 

Informações e avanços das pesquisas realizadas no LAMMOC/UFF são atualizadas e disponibilizadas  em nosso site: http://lammoc.sites.uff.br/

4 comentários:

  1. Cataldi,

    Parabéns pelo conteúdo extremamente relevante e convenientemente esquecido pelo governo... A verdade é que a gestão da energia é importante demais pra depender de sorte ou azar! E dada a tendência observada, agora precisamos de muita sorte pra postergar a próxima crise energética. Lamentável...

    Outro ponto que piora ainda mais a situação é que, como você sabe, quanto menor o nível dos reservatórios, menor a queda d'água e portanto menor a quantidade de energia gerada com um dado volume de água! Em outras palavras, mantida a carga atual, esse 0,1% ao dia tende a aumentar... Se imaginarmos um crescimento da carga após a pandemia, pior ainda...

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  2. Com certeza Belassiano. Bem lembrado...o que irá piorar ainda mais a situação. Além dos modelos considerarem a produtividade a 65% de armazenamento para o cálculo da ENA. não sei se isso mudou. Mas fica bem distante da realidade. Abraços meu amigo e se cuida.

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  3. Muito maneiro. Essas informações ajudam bastante no planejamento energético.parabéns!

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  4. Vale também observar a mudança no perfil da carga, antes dividida entre os picos da refrigeração (15h) e o do chuveiro elétrico/iluminação (19h) mas hoje em dia absolutamente concentrada as 19h por conta do isolamento social. Como costuma brincar o Mario Veiga, manter a mesma frequência ao subir uma ladeira é mais difícil do que subir dois morros com metade da elevação, um de cada vez.

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