domingo, 17 de outubro de 2021

O quanto a chuva de outubro está ajudando a amenizar a crise hídrica ?

Para falar melhor sobre este tema, esse texto será dividido em três partes.

1 - A chuva de outubro e seu impacto nos armazenamentos do SIN

    É inegável a grande contribuição dos elevados totais acumulados de chuva neste mês de outubro nos reservatórios de praticamente todo o SIN. Apesar de aparentemente o aumento no nível da energia armazenada do SE/CO ser pequeno (cerca de 0,5% desde o início do mês), a contribuição foi muito maior do que isso. Considerando que sem a chuva a queda dos níveis de armazenamentos estava entre 0,1 e 0,3% ao dia (dependendo da demanda, dia da semana, temperatura, operação, etc) o mês de outubro poderia terminar com cerca de 11% de energia armazenada no SE/CO, enquanto agora deve acabar com cerca de 17%. Isso significa um aumento real de cerca de 6%, além do aumento da umidade do solo, ajudando na eficiência da relação chuva-vazão nos meses seguintes. Ou seja, um aumento considerável e importantíssimo para o sistema. A operação do ONS fez com que os níveis de armazenamento do subsistema NE caíssem bastante durante este mês de outubro, ajudando neste aumento do SE/CO, o que parece ter sido uma boa opção já que a capacidade de armazenamento do NE é muito pequena. Já a chuva no Sul vem ajudando na maximização da geração neste subsistema e também no aumento de seus reservatórios. Somente a chuva do Norte é que ainda não chegou com força.

2 - E essa chuva estava prevista ?

    Quem acompanha os vídeos de previsão produzidos pelo LAMMOC/UFF em parceria com a AMBMET Consultoria já havia observado as previsões da maior parte dos modelos, desde o mês de setembro de 2021, apontando para esse cenário de mais chuva em outubro, como é mostrado na figura 1 que ilustra as previsões para o mês de outubro de 2021 realizadas em setembro pelos modelos NCAR/CAM 3.1 rodado no LAMMOC/UFF e pelo modelo do centro Europeu (ECMWF). É importante também fazer duas ressalvas que aumentavam as incertezas sobre estas previsões: as previsões de agosto do ECMWF mostravam um setembro super chuvoso, o que não aconteceu; e o aumento das vazões observado em outubro está sendo bastante expressivo, principalmente considerando as condições de umidade antecedente do solo. 

Figura 1 - Previsões climáticas realizadas no mês de setembro de 2021 para o mês de outubro de 2021, onde tons de verde e azul representam chuva acima da média histórica e tons de laranja e vermelho precipitação abaixo da média histórica. A esquerda o modelo NCAR/CAM 3.1 rodado do LAMMOC/UFF e a direita o modelo do centro Europeu ECMWF.

    A Figura 2 mostra as anomalias de chuva observadas até o dia 17/10/2021.

Figura 2 - Anomalias de precipitação observadas até o dia 17 de outubro de 2021. Fonte: http://clima1.cptec.inpe.br/monitoramentobrasil/pt

 

3 - E o que esperar para o futuro ?

    Inicialmente é importante fazermos uma análise do momento climático que estamos vivendo, onde não temos ainda a consolidação da La Niña, e estamos vivenciando um momento de bastante energia na atmosfera (importante lembrar que outubro é um dos meses de maior entropia do ano e, com isso, de maior "desordem" do sistema e de maior imprevisibilidade também).

    Para os próximos meses o padrão climático deverá mudar, em linhas gerais e simplificadas, com a retirada de energia do sistema, associada ao resfriamento do Pacífico Equatorial, como pode ser observado na Figura 3. Isto significa que os impactos da La Niña (mesmo fenômeno que atuou no período de transição e verão do ano passado) no clima da América do Sul ainda não estão ocorrendo, já que as anomalias da TSM da região do Niño 3, por exemplo (Figura 3), ainda estão entre 0 e -0.5 K, devendo entrar em uma taxa de resfriamento mais intensa a partir do mês de novembro. Além disso o Atlântico Equatorial continua com temperaturas bem acima da média, favorecendo a formação e a persistência de bloqueios atmosféricos no Brasil (que devem retornar, assim como ocorrido em setembro desse ano, quando energia do sistema diminuir).

    Ou seja, não há nenhuma indicação nos padrões de teleconexão da atmosfera que aponte a permanência deste padrão nos próximos meses. O que a maioria dos modelos indica são anomalias de precipitação positivas somente no Centro-Norte do país, incluindo principalmente as bacias dos rios São Francisco e Tocantins, de forma semelhante ao ocorrido no ano passado (desta vez com um atraso de cerca de um mês). 

     

 Figura 3 - Anomalias observadas da TSM da região do Niño 3 até outubro de 2021 e previstas até julho de 2022 pelo modelo CFS v2 da NOAA. Fonte: https://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/CFSv2/imagesInd3/nino3Mon.gif

    Uma outra questão importante é como estamos em relação a energia armazenada no SE/CO (responsável por cerca de 70% de todo armazenamento do SIN) em relação ao ano passado. Esta comparação pode ser feita visualmente na figura 4. No entanto, retirando os dados do próprio ONS ( http://www.ons.org.br/Paginas/resultados-da-operacao/historico-da-operacao/energia_armazenada.aspx) podemos observar que neste mesmo período do ano passado o SE/CO estava com cerca de 27,4% de armazenamento, ou seja, cerca de 10% a mais do que estamos agora, mesmo com toda esta chuva de outubro. Claro que estamos com uma condição melhor de umidade do solo do que ano passado, mas isso não resolve todo o problema, já que grande parte desta chuva provavelmente saturou rapidamente as camadas mais superiores do solo, virando escoamento superficial e se transformando em vazão, mas não conseguiu infiltrar o suficiente para camadas mais profundas para criar uma recarga futura das vazões. 

    

Figura 4 - Nível de armazenamento no subsistema SE/CO em 2021 (linha vermelha) em comparação com 2020 (linha azul). Fonte: http://www.ons.org.br/paginas/conhecimento/acervo-digital/documentos-e-publicacoes?categoria=IPDO

    Ou seja, aparentemente não é ainda o momento de mudar da tarifa de "escassez hídrica" (que aliás não é bandeira vermelha) e nem relaxar com despacho de térmicas ou nenhuma outra forma de combate a crise hídrica e energética, principalmente com ideias populistas e sem nenhuma análise mais criteriosa e com rigor técnico e científico do problema.

    Nas próximas semanas iremos acompanhar os avanços da previsão em nossos vídeos produzidos pelo LAMMOC em parceria com a AMBMET Consultoria.

    E novamente colocamos a disposição toda infraestrutura computacional e a expertise do LAMMOC/UFF para auxiliar em qualquer questão referente a esta crise hídrica e energética. 

2 comentários:

  1. Grato pelos esclarecimentos! Aula excelente! Parabéns!

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  2. Excelente aula, Prof. Cataldi.
    Parabéns por este espaço de divulgação científica.
    Profa Suzete

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