O quanto a chuva de outubro está ajudando a amenizar a crise hídrica ?
Para falar melhor sobre este tema, esse texto
será dividido em três partes.
1 - A chuva de outubro e seu impacto nos
armazenamentos do SIN
É inegável a grande
contribuição dos elevados totais acumulados de chuva neste mês de outubro nos
reservatórios de praticamente todo o SIN. Apesar de aparentemente o aumento no
nível da energia armazenada do SE/CO ser pequeno (cerca de 0,5% desde o início
do mês), a contribuição foi muito maior do que isso. Considerando que sem a
chuva a queda dos níveis de armazenamentos estava entre 0,1 e 0,3% ao dia
(dependendo da demanda, dia da semana, temperatura, operação, etc) o mês de
outubro poderia terminar com cerca de 11% de energia armazenada no SE/CO,
enquanto agora deve acabar com cerca de 17%. Isso significa um aumento real de
cerca de 6%, além do aumento da umidade do solo, ajudando na eficiência da
relação chuva-vazão nos meses seguintes. Ou seja, um aumento considerável e
importantíssimo para o sistema. A operação do ONS fez com que os níveis de
armazenamento do subsistema NE caíssem bastante durante este mês de outubro,
ajudando neste aumento do SE/CO, o que parece ter sido uma boa opção já que a
capacidade de armazenamento do NE é muito pequena. Já a chuva no Sul vem
ajudando na maximização da geração neste subsistema e também no aumento de seus
reservatórios. Somente a chuva do Norte é que ainda não chegou com força.
2 - E essa chuva estava prevista ?
Quem acompanha os vídeos de
previsão produzidos pelo LAMMOC/UFF em parceria com a AMBMET Consultoria já
havia observado as previsões da maior parte dos modelos, desde o mês de
setembro de 2021, apontando para esse cenário de mais chuva em outubro, como é
mostrado na figura 1 que ilustra as previsões para o mês de outubro de 2021
realizadas em setembro pelos modelos NCAR/CAM 3.1 rodado no LAMMOC/UFF e pelo
modelo do centro Europeu (ECMWF). É importante também fazer duas ressalvas que
aumentavam as incertezas sobre estas previsões: as previsões de agosto do ECMWF
mostravam um setembro super chuvoso, o que não aconteceu; e o aumento das
vazões observado em outubro está sendo bastante expressivo, principalmente considerando
as condições de umidade antecedente do solo.
Figura 1 - Previsões climáticas realizadas no mês
de setembro de 2021 para o mês de outubro de 2021, onde tons de verde e azul
representam chuva acima da média histórica e tons de laranja e vermelho
precipitação abaixo da média histórica. A esquerda o modelo NCAR/CAM 3.1 rodado
do LAMMOC/UFF e a direita o modelo do centro Europeu ECMWF.
A Figura 2 mostra as anomalias
de chuva observadas até o dia 17/10/2021.
Figura 2 - Anomalias de precipitação observadas
até o dia 17 de outubro de 2021. Fonte:
http://clima1.cptec.inpe.br/monitoramentobrasil/pt
3 - E o que esperar para o futuro ?
Inicialmente é importante
fazermos uma análise do momento climático que estamos vivendo, onde não temos
ainda a consolidação da La Niña, e estamos vivenciando um momento de bastante
energia na atmosfera (importante lembrar que outubro é um dos meses de maior
entropia do ano e, com isso, de maior "desordem" do sistema e de maior
imprevisibilidade também).
Para os próximos meses o
padrão climático deverá mudar, em linhas gerais e simplificadas, com a retirada
de energia do sistema, associada ao resfriamento do Pacífico Equatorial, como
pode ser observado na Figura 3. Isto significa que os impactos da La Niña
(mesmo fenômeno que atuou no período de transição e verão do ano passado) no
clima da América do Sul ainda não estão ocorrendo, já que as anomalias da TSM
da região do Niño 3, por exemplo (Figura 3), ainda estão entre 0 e -0.5 K, devendo
entrar em uma taxa de resfriamento mais intensa a partir do mês de novembro.
Além disso o Atlântico Equatorial continua com temperaturas bem acima da média,
favorecendo a formação e a persistência de bloqueios atmosféricos no Brasil
(que devem retornar, assim como ocorrido em setembro desse ano, quando energia
do sistema diminuir).
Ou seja, não há nenhuma
indicação nos padrões de teleconexão da atmosfera que aponte a permanência
deste padrão nos próximos meses. O que a maioria dos modelos indica são
anomalias de precipitação positivas somente no Centro-Norte do país, incluindo
principalmente as bacias dos rios São Francisco e Tocantins, de forma
semelhante ao ocorrido no ano passado (desta vez com um atraso de cerca de um
mês).
Figura 3 - Anomalias observadas da TSM da
região do Niño 3 até outubro de 2021 e previstas até julho de 2022 pelo modelo
CFS v2 da NOAA. Fonte: https://www.cpc.ncep.noaa.gov/products/CFSv2/imagesInd3/nino3Mon.gif
Uma outra questão importante é
como estamos em relação a energia armazenada no SE/CO (responsável por cerca de
70% de todo armazenamento do SIN) em relação ao ano passado. Esta comparação
pode ser feita visualmente na figura 4. No entanto, retirando os dados do
próprio ONS (
http://www.ons.org.br/Paginas/resultados-da-operacao/historico-da-operacao/energia_armazenada.aspx)
podemos observar que neste mesmo período do ano passado o SE/CO estava com
cerca de 27,4% de armazenamento, ou seja, cerca de 10% a mais do que estamos
agora, mesmo com toda esta chuva de outubro. Claro que estamos com uma condição
melhor de umidade do solo do que ano passado, mas isso não resolve todo o
problema, já que grande parte desta chuva provavelmente saturou rapidamente as
camadas mais superiores do solo, virando escoamento superficial e se
transformando em vazão, mas não conseguiu infiltrar o suficiente para camadas
mais profundas para criar uma recarga futura das vazões.
Figura 4 - Nível de armazenamento no
subsistema SE/CO em 2021 (linha vermelha) em comparação com 2020 (linha azul).
Fonte: http://www.ons.org.br/paginas/conhecimento/acervo-digital/documentos-e-publicacoes?categoria=IPDO
Ou seja, aparentemente não é
ainda o momento de mudar da tarifa de "escassez hídrica" (que aliás
não é bandeira vermelha) e nem relaxar com despacho de térmicas ou nenhuma
outra forma de combate a crise hídrica e energética, principalmente com ideias
populistas e sem nenhuma análise mais criteriosa e com rigor técnico e
científico do problema.
Nas próximas semanas iremos
acompanhar os avanços da previsão em nossos vídeos produzidos pelo LAMMOC em
parceria com a AMBMET Consultoria.
E novamente colocamos a
disposição toda infraestrutura computacional e a expertise do LAMMOC/UFF para
auxiliar em qualquer questão referente a esta crise hídrica e energética.
Grato pelos esclarecimentos! Aula excelente! Parabéns!
ResponderExcluirExcelente aula, Prof. Cataldi.
ResponderExcluirParabéns por este espaço de divulgação científica.
Profa Suzete