Eu criei esse Blog há muito tempo e nunca utilizei. Bem, mas acho que agora tá na hora. Estamos vivendo um momento muito preocupante em relação a garantia de atendimento de energia elétrica para 2021. Estamos realizando vários estudos no LAMMOC ( http://lammoc.sites.uff.br/ ) que mostram que nos últimos 12 a 16 anos as regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste estão vivenciando um regime chuva bastante reduzido, principalmente em seu período úmido, o que está culminando com uma diminuição na diferença entre as vazões dos períodos secos e úmidos, indicando uma possível diminuição da atividade das Monções da América do Sul nesse período. A Figura 1, elaborada com base nas vazões naturais do ONS para a Usina de São Simão ilustra isso. A região circulada mostra como nos últimos anos o regime de precipitação do período úmido tem ficado mais próximo do período seco. A série começa em 1931 e termina no final de 2019.
Figura 1 - Tendência da série de vazões Naturais da usina de São Simão no período de 1931 a 2019. Fonte dos dados: ONS.
Isso significa que o solo destas regiões vem mudando ao longo dos anos, o que está conduzindo a uma relação diferente entre a chuva e a vazão, fazendo com que seja necessário mais precipitação para aumentar a vazão a um determinado nível, do que na década de 90, por exemplo. Ou seja, a mesma chuva hoje, com as mesmas condições antecedentes de chuva não ocasiona a mesma subida das vazões das décadas de 80 e 90. E pior, a recessão, diminuição das vazões quando a precipitação acaba, está mais acelerada do que antes.
Esta condições de solo aliada a uma menor intensidade da precipitação nos últimos períodos úmidos (entre 12 e 16 anos) nos levaram a uma condição muito crítica de armazenamento nos reservatórios das regiões SE e CO do Brasil (16,8 % no dia 14/12/2020). Como pode ser observado na Figura 2, retirada do IPDO do ONS (http://www.ons.org.br/paginas/conhecimento/acervo-digital/documentos-e-publicacoes?categoria=IPDO).
Figura 2 - Estado atual do armazenamento das usinas hidráulicas do subsistema Sudeste/Centro-Oeste. Fonte: IPDO/ONS
Ainda temos a previsão de bastante precipitação no Sudeste até o final do mês de dezembro. Mas o que realmente assusta são as previsões para o mês de janeiro. Vários centros no mundo mostram um mês de janeiro de 2021 com uma forte atuação de bloqueios e pouca precipitação na região Sudeste, principalmente onde se encontram os principais reservatórios (centro-sul de Minas Gerais e Goiás). O LAMMOC/UFF tem implementado o modelo CAM 3.0, desenvolvido pelo Centro Americano NCAR, e elabora, com o auxílio de alunos de iniciação científica, bolsistas de apoio acadêmico e financiamento de empresas de comercialização de energia, previsões para um horizonte de 3 meses a frente. Estas previsões ficam disponibilizadas no site do LAMMOC com acesso público (http://lammoc.sites.uff.br/anomalia-de-precipitacao/).
O Modelo CAM 3.0 possui um ótimo skill (desempenho estatístico) para o período úmido das regiões Sudeste e Centro-Oeste, o que vem sendo comprovado nos últimos anos e na própria previsão feita em novembro para o mês de dezembro de 2020. As previsões recém elaboradas do modelo para o mês de janeiro de 2021 mostram fortes anomalias negativas de precipitação nas regiões Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte. Isso significa que podemos não ter o aporte necessário de chuva, no mês que tem as maiores médias de precipitação, para auxiliar na recuperação dos nossos principais reservatórios.
Figura 2. Anomalias de precipitação previstas para o mês de janeiro de 2021 com base no modelo NCAR/CAM 3.0 implementado e rodado no LAMMOC/UFF.
Diante deste quadro, um passo importante é o despacho de todas as termoelétricas fora de mérito, ou seja, mesmo quando o preço delas ainda é superior ao da geração hidráulica. Isso já foi feito, comandado pelo ONS. No entanto, um outro ponto importante para diminuir o risco de racionamento de energia elétrica em 2021 é a conscientização da população de que precisamos consumir menos. Isso aliado a políticas de incentivo para quem consumir abaixo de certos limiares, assim como aconteceu em 2001. Estas medidas são mais do que necessárias nesse momento, pois podem trazer economia necessária para não termos racionamento de energia em 2021. O cenário é muito crítico, e as possibilidades indicam que devemos ter ao menos cautela em relação a ele. Sendo assim, venho aqui como servidor público, cidadão e cientista apelar para que tenhamos um posicionamento oficial do Governo Brasileiro em relação a este quadro e que as medidas de conscientização, e todas as técnicas cabíveis, sejam tomadas o mais rápido possível e de forma transparente, como deve ser. Entendo que a omissão do Governo em uma situação destas é grave e pode amplificar o risco de racionamento em 2021. Me coloco a disposição, assim como toda a equipe do LAMMOC, para discutir e esclarecer qualquer questão técnica que esteja ao nosso alcance.
Para quem não me conhece, sou meteorologista, formado pela UFRJ, tenho Mestrado e Doutorado na COPPE/UFRJ, trabalhei 13 anos no Operador Nacional do Sistema elétrico - ONS e atualmente sou professor do Departamento de Engenharia Agrícola e do Meio Ambiente da Universidade Federal Fluminense. ( http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4761898U6 )
Preocupante a diminuição das vazões históricas, ainda mais pela pouca amostragem que temos. Acho que deveríamos reconsiderar o horário de verão, principalmente a leste de Brasília.
ResponderExcluirExcelente e muito pertinente a publicação! É importante tomarmos ciência da situação para adoção de estratégias mais adequadas para este momento crítico.
ResponderExcluirOlá professor e querido amigo, adorei as informações contidas no seu blog. Desejo-lhe sucesso e continue prestando este excelso serviço de utilidade pública.
ResponderExcluirForte Abraço, Adriana Rosatto
Será que a baixa atividade econômica pode evitar o racionamento? Um grande abraço.
ResponderExcluirParabéns pela análise, Cataldi. Muito pertinente.
ResponderExcluirParabéns, Cataldi!
ResponderExcluirParabéns Cataldi, pela iniciativa de expor esse cenário preocupante para a garantia de atentendimento de energia eletrica no Brasil. E parabéns também pelo blog! Um forte abraço!
ResponderExcluirObrigado pelos comentários pessoal. Sim, o horário de verão ajudava com cerca de 2% de diminuição de consumo. O que parece pouco mas não é. E sim, se a gente não tivesse a economia em ritmo de pandemia estaríamos em uma situação pior ainda. Eu acredito que para sairmos dessa só com diminuição do consumo e muita chuva em todo o restante do período úmido. Temos uma ZCAS para o final de dezembro....mas na previsão de tempo estendida já dá pra ver o início de janeiro de 2021 com possibilidade de bloqueio no Sudeste.
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